POESIA EM XILOGRAVURA

 

 


 

 

Há tempos, bem antes de ser considerada arte ou pura “poesia expressada em madeira” como diria João Nicodemos*, a xilogravura era usada em antigos povos como meio de comunicação estampada em tecidos. Com o passar dos tempos, esta técnica milenar veio adquirindo formas e expressões novas, revelando o seu lado democrático, popular, ousado e artístico.

Como é sabido a xilogravura chegou ao Brasil por encomenda dos colonizadores portugueses sob forma de folhetos pendurados em cordas, encontrando terreno fértil para expandir-se como Literatura de Cordel no Nordeste Brasileiro, ganhando fortes e diferentes expressões nos trabalhos de diversos artistas contemporâneos, dentre eles, Maércio Lopes.

Artista diversificado, e, ainda anônimo diante da grandiosidade que é o seu trabalho, Maércio Lopes, filho do Cariri, é um exemplo claro da vertente criativa que a xilogravura alcançou em meio às mais variadas temáticas e técnicas de aperfeiçoamento.

Em 1999, ainda como estudante de Letras, ingressou na Academia dos Cordelistas do Crato-CE onde pôde diversificar tanto o seu talento de poeta popular como também a sua habilidade extraordinária como desenhista, conhecendo, enfim, a xilogravura.

Tocado pela magia gigantesca que envolve esta arte, o xilógrafo Maércio Lopes, que em fase de aprendizagem técnica, revelava seu talento nato ainda com linhas grosseiras e sem a minuciosidade que hoje lhe é peculiar, expressava-se apenas por meio das temáticas regionais pelas quais a Literatura de Cordel é mais conhecida no Brasil.

Aos poucos, suas faces artísticas foram se revelando com mais contundência, por meio de um refinamento das linhas delineadas na madeira, com obras inspiradas no famoso desenhista Gustavo Doré, e nos gravadores Pannemaker e Pisan. Era o início – 2004 mais precisamente – da sua marca inconfundível de individualidade, requinte e originalidade artística quando o assunto é xilogravura.

Acima de tudo, o que Maércio faz acontecer na madeira, seja ela umburana, louro ou pau d’arco, não é simplesmente uma imagem gravada, é, antes de tudo, uma obra de arte que “fala por si” até mesmo diante dos olhares mais leigos.

Suas obras são facilmente distinguidas das demais xilogravuras, uma vez que, são imagens que ganham vida mediante linhas e entrelinhas traçadas, devidamente calculadas e que revelam tons e meios-tons (escalas de cinza) raramente vistos em trabalhos de outros artistas do gênero, que tendem a se limitar nas suas antigas formas e temáticas.

Antes com desenhos regionais, depois com desenhos clássicos e bíblicos, Maércio, mesmo com algumas ressalvas, se atreve hoje a seguir o caminho da inovação criando xilogravuras com desenhos psicodélicos, abstratos e surrealistas. “A xilogravura para mim deve ultrapassar a barreira do preconceito de que existe apenas uma forma a ser seguida. Ela, como toda arte, só se engrandece quando indiscriminadamente estende fronteiras” disse ele na última exposição feita de suas obras na oportunidade de inauguração do Espaço Cultural Coletivo Malungo em Crato.

Nas mãos de um artista com tais refinamentos, que ultrapassa barreiras subjetivamente estabelecidas e que para atingir uma perfeição desejada, usa como ferramentas de trabalho instrumentos inusitados como hastes de guarda-chuvas, antenas de rádio e pregos para criar novas texturas, a madeira adquire vida, cabendo a este fazer com que ela se expresse. Em outras palavras, disse Maércio que “a versatilidade da madeira permite ao artista criar variações de corte e utilizações de instrumentos não convencionais para criar infinitas composições e movimentos que resultarão em diferentes texturas, que nas minhas peças, caracterizam-se nos tons de cinza e não apenas em preto e branco como na maioria da xilogravuras”.

Existe uma máxima que diz que “um trabalho criativo é fruto de 10% de inspiração e de 90% de transpiração”. Há quem diga que em se tratando de xilogravura, a madeira tem uma espécie de personalidade, tanta que o resultado final independe da intenção do artista, e que, por fim, toda essa grandeza só se confirma no momento exato da impressão.

O que é incontestável, porém, é que em se tratando da busca pela perfeição artística, a técnica jamais deve andar em sentido contrário ao dom ou talento, que muitas vezes se encontra perdido e jamais resgatado naqueles que não exploram seus potenciais artísticos. O diferencial é a busca, é o interesse, é a sede pelo aprendizado e pela descoberta, além da sensibilidade que é inerente a todo artista!

Em nenhum de todos esses aspectos primordiais a qualquer tipo de arte, Maércio Lopes foge à regra. A perfeição ou aproximação dela nas suas peças é tão nítida, que muitos, pensando que são gravuras feitas com bico-de-pena, se surpreendem ao saber que aquele desenho estampado na folha, é na verdade, o resultado de um trabalho de dias a fio sobre a madeira (matriz) na busca de produzir nela todos os efeitos da imagem desejada.

Este artista, que por trás dos seus óculos e da sua timidez esconde uma imensidão de talento, seriedade e competência, não expressa suas poesias apenas nos versos em seus cordéis. Maércio Lopes expressa poesia também através da imagem... Na figura que “fala” e que nasce através das suas mãos.

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Em notas:

Contato com Maercio Lopes:
maerciolopes@hotmail.com
http://www.maerciolopes.zip.net
Telefone: (88) 9962-0754